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Aprender a Ler e Escrever: Abordagens Atuais e o Papel do Professor na Alfabetização
24/07/2025

   A alfabetização representa um importante marco na trajetória escolar. Aprender a ler e a escrever é uma conquista que evidencia o desenvolvimento e consolida um avanço no processo de construção do saber. É comum interagirmos com crianças pequenas fazendo perguntas como: “Você já sabe ler?” ou “Já escreve seu nome?”. Essas perguntas revelam a grande expectativa que esse conhecimento desperta, tanto nas crianças quanto nos adultos que as acompanham. Compreender o sistema de escrita representa a passagem para um novo mundo, o mundo letrado, configurando-se como uma importante conquista de autonomia e validação social.

   As diferentes abordagens de alfabetização praticadas nas escolas estão relacionadas às concepções de aprendizagem adotadas por cada instituição. A história da alfabetização oferece importantes contribuições para compreendermos os fundamentos de cada uma dessas abordagens.

   Ao longo do século XX, o entendimento sobre como se aprende a ler e a escrever passou por importantes transformações. Na primeira metade do século, predominava a crença de que o sucesso na alfabetização estava diretamente relacionado ao método de ensino escolhido. A pergunta central era: “Qual o melhor método para alfabetizar?”. O foco estava na técnica e no papel do professor, enquanto a criança era vista como uma receptora passiva, sem que se considerassem suas próprias elaborações nesse processo.

   Nessa concepção, a decodificação era o eixo que orientava as metodologias criadas, partindo-se do reconhecimento das letras e seus sons, para então formar sílabas e, posteriormente, realizar leituras por meio da decifração dos códigos e suas combinações. Em resumo, a alfabetização, nesse contexto, era compreendida como um processo mecânico de decodificação.

   A partir da década de 1960, com a ampliação do debate educacional e o olhar mais atento aos desafios da aprendizagem, as pesquisas passaram a questionar: “O que há de errado com a criança que não aprende?”. Foi nesse contexto que surgiram as chamadas Teorias do Déficit, que atribuíam o fracasso escolar à ausência de determinados pré-requisitos nas crianças. Segundo essa perspectiva, a alfabetização só poderia ocorrer após o desenvolvimento de habilidades perceptivas e motoras específicas. Com isso, uma série de treinamentos voltados à motricidade e à percepção foi incorporada aos currículos escolares, como condição necessária para que as crianças estivessem  preparadas para aprender a ler e a escrever.

   Ao final dos anos 70, com o avanço das ciências da linguagem, novas pesquisas surgiram mobilizando mudanças Pesquisadores da psicolinguística e da sociolinguística propuseram uma nova pergunta: “Como se aprende a ler e a escrever?”. A resposta levou a uma virada de perspectiva, na qual a criança passou a ser vista como sujeito ativo, que constrói hipóteses e sentidos sobre a escrita, mesmo antes de saber ler e escrever convencionalmente.

   Foi nesse contexto que surgiu a Psicogênese da Língua Escrita, obra de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, que revolucionou a compreensão do processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Essa teoria demonstrou que os “erros” das crianças não são falhas, mas indícios de raciocínio. Respeitar essas hipóteses e acompanhar o percurso de cada aluno tornou-se fundamental para uma alfabetização mais significativa.

   Compreender esse percurso histórico nos ajuda a analisar criticamente as práticas atuais. Colocar uma criança em processo de alfabetização para apenas realizar cópias ou trabalhar com textos simplificados, com o objetivo de facilitar a decodificação, é, na verdade, desconsiderar suas capacidades de raciocínio e elaboração. Trata-se de uma proposta baseada em uma concepção de aprendizagem já superada por pesquisas mais recentes.

   Escolas inovadoras rompem com modelos engessados e constroem propostas mais coerentes com os direitos e as potencialidades das crianças, pautando suas práticas pedagógicas em abordagens que valorizam a escuta, a participação, o pensamento crítico e a análise de erros. 

   Na Escola Villare, consideramos os avanços revelados pelas pesquisas e compreendemos que a alfabetização exige escuta, sensibilidade e conhecimento. É preciso ir além da decodificação e criar contextos reais de leitura e escrita, nos quais o professor atue como mediador dos saberes diversos existentes no grupo, articulando as melhores interações para promover o avanço dos alunos.

   As crianças vivem em uma cultura letrada e chegam à escola com diferentes compreensões e ideias sobre a leitura e a escrita. Essa diversidade de conhecimentos é valorizada no planejamento das aulas na Escola Villare. Acreditamos que é no confronto de suas hipóteses com as dos colegas que o aluno coloca em ação seu saber, construindo sentidos em diálogo com o outro. Nessa interação, surgem problematizações que promovem novos conhecimentos e avanços relacionados ao sistema de escrita.

   Dessa forma, entende-se que, para aprender a ler e a escrever, não é necessário um preparo prévio. É no contato com a leitura e a escrita que a aprendizagem acontece. Por essa razão, o acesso a literaturas de qualidade desde muito cedo é indispensável para, de fato, aprender a ler e escrever.

   A decodificação é apenas uma das estratégias de leitura. Para ler de forma plena é preciso atribuir significado, estabelecer relações, verificar informações. Essas habilidades só se desenvolvem quando há um professor alfabetizador preparado para agir com intencionalidade no acompanhamento e no estímulo ao progresso de cada uma dessas habilidades.

   Vale ressaltar que, embora a leitura e a escrita sejam aprendizagens interligadas, tratam-se de construções distintas. Enquanto a leitura envolve a compreensão de sentidos a partir de um texto pronto, a escrita exige a produção autônoma de sentidos por meio da linguagem. Essa diferença torna ainda mais necessária uma atuação qualificada do professor alfabetizador, capaz de identificar os avanços, as dificuldades e as necessidades específicas de cada aluno em cada uma dessas dimensões no processo de alfabetização.

   É preciso prezar pela qualidade da aprendizagem considerando o aluno em sua totalidade, o que exige um olhar atento e cuidadoso para as individualidades e para como elas se constituem no coletivo. O planejamento intencional das intervenções é uma ação indispensável do professor, garantindo que cada aluno seja apoiado de forma eficiente em suas singularidades e em seu processo de aprendizagem.

   Sabemos que aprender a ler e escrever é muito mais do que decifrar letras, mas, sim abrir portas para a expressão, para o pensamento e para a transformação. Na Escola Villare, seguimos lado a lado com cada aluno, valorizando suas conquistas, respeitando seus tempos e celebrando seus avanços.

Talita Rafaela Calvo Garcia

Vice-Diretora e Coordenadora Geral do Ensino Fundamental Anos Iniciais